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Pecado capital: Jota Neves é condenado por comparar atitude de vereadora à ação de apóstolo

Judas Iscariotes pode ter traído, mas é Santo. O mesmo não se pode dizer sobre a parlamentar. 

A sentença proferida pelo juiz Fábio José Vasconcelos invocou a bíblia sagrada para afirmar que o blogueiro ofendeu a honra objetiva da parlamentar apontada na matéria como quem soube de um ato administrativo irregular que pretendia beneficiar o secretário de Governo, Adriano Rigoldi e se limitou a defender o próprio filho. De acordo com a matéria, Tulim teria traído o eleitor e, portanto, foi comparada a um dos 12 apóstolos de Jesus Cristo. São Judas.

Mas, para a Justiça, existiriam outros “discípulos” no parlamento e estes também teriam o mesmo dever de exercer a fiscalização em prol das centenas de pessoas que pagaram inscrição para participar de um concurso fraudulento. E, nisso a Justiça tem razão. Mas o blog não se esqueceu de cobrar de todos eles. A Justiça foi literalmente cega e surda.

Apesar da aspereza de algumas palavras existentes no texto publicado por Jota Neves, o excesso não representou pretexto suficiente para uma sanção penal, já que no Estado Democrático de Direito a liberdade de expressão e de crítica é uma garantia constitucional assegurada aos profissionais da imprensa.

Em relação à Telma Tulim, o “x” da questão é que ela poderia até ser omissa, assim como todos os demais vereadores teriam sido com a exceção de Valdemar Manzano Moreno, como reconheceu a sentença do magistrado, mas não tinha o direito de sair em defesa apenas do filhinho em detrimento de centenas de candidatos ludibriados pelo Poder Público ao qual ela também faz parte.

A sentença em primeira instância cabe recurso e o advogado Devanir Dorte acredita que será possível revertê-la. Jota Neves foi autor de várias denúncias sobre concursos fraudulentos contra a administração de Waldemir Gonçalves Lopes. O prefeito foi condenado em um deles e o Tribunal de Contas questiona outro, cuja a Prefeitura poderá até demitir dezenas de contratados por um desses concursos.

Além da condenação por improbidade administrativa, o ex-chefe do Executivo e seu ex-secretário, Adriano Rigoldi também estão inelegíveis, impedidos de contratar com o serviço público e terão que efetuar a devolução do dinheiro de todos os candidatos que foram prejudicados pelo certame de cartas marcadas.

A SETENÇA

O querelado, em interrogatório, confirmou a autoria das matérias produzidas em seu blog. Afirmou que o assunto abordado se relacionava a concurso público municipal que foi objeto de ação de improbidade administrativa contra Administração da época, da qual a querelante era líder junto ao Parlamento local. Afirmou que, por conta de referida ação, o Chefe do Executivo e o Secretário de Governo foram condenados por improbidade administrativa.

Negou qualquer intenção de ofensa à imagem da cidadã Telma Tulim. Disse que a notícia se voltava à vereadora Telma Tulim que teria tomado conhecimento que existiria uma possível trama, para beneficiar o secretário do governo e, em nenhum momento, esboçou reação no sentido de tornar público ou levar ao conhecimento de quem de direito para fiscalizar, como vereadora.

Em relação às expressões “Judas” e “Pilatos”, afirmou que são expressões comuns entre parlamentares ao significado de “traição aos seus eleitores”. Em relação ao termo “tropa de elite”, quis significar a especialização e capacitação da querelante que, mesmo ciente da trama, nada fazia para fiscalizar as fraudes. Afirmou desconhecer ações civis ou criminais contra a querelante. Como se verifica, dúvida não subsiste a respeito da autoria delitiva.

O querelado, em interrogatório, confirmou ser o autor das matérias e comentários inseridos em seu blog e que se encontram reproduzidas a fls. 05/11 e 14/21 do apenso termo circunstanciado. Para melhor análise da controvérsia, preciso se faz pontuar que, à época dos fatos, o Município de Tupã, que tinha na pessoa do Sr. Waldemir Gonçalves Lopes, a figura de chefe do Executivo, decidiu pela realização de concurso público para preenchimento de vagas do cargo de Agente de Fiscalização Municipal de Rendas.

O referido concurso acabou realizado, com a publicação dos aprovados (fls. 45). Dentre eles, figurava a pessoa de Adriano Rogério Rigoldi, que integrava a Administração Municipal e figurava como fiscal no contrato celebrado com a empresa responsável pela realização do concurso público. Diante das evidências de fraude na realização do certame, o Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com ação civil pública, obtendo liminar para suspensão do concurso público (fls. 41/44).

Clarividente que, dada a relevância do tema, o assunto logo ganhou ampla repercussão na sociedade tupãense. O querelado, que há longa data exerce com esmero a função de jornalista, no comando de conceituado periódico veiculado em rádio, da vizinha cidade de Bastos, cumprindo com sua função, deu ampla cobertura ao tema.

Informou, relatou fatos, cobrou explicações das Autoridades, a princípio, de forma legítima, cumprindo com sua missão de bem informar a sociedade. No entanto, em certo instante, ao menos em seu blog pessoal de notícias, excedeu-se de forma reprovável. Na forma como bem pontuou o Ministério Público, a liberdade de expressão, garantida constitucionalmente (artigo 5º, IX), como qualquer outra garantia, não pode ser interpretada de forma absoluta, sobretudo quando evidenciado o conflito de interesses.

No caso dos autos, evidente o confronto entre o direito de expressão e informação, pelo qual teria se pautado o querelado, com o direito à intimidade e honra da querelante que, diante das matérias veiculadas, afirma-se vilipendiada em sua esfera de direitos (artigo 5º, X, CF). Essa ponderação de valores deve ocorrer na análise do caso em concreto.

A imprensa, não há dúvida, exerce papel primordial na sociedade contemporânea, sobretudo na fiscalização da coisa pública. E a Constituição Federal mostra-se pródiga em assegurar o exercício da liberdade de imprensa (artigo 220), mas ressalta expressamente a necessidade de se observarem outros preceitos igualmente valiosos na convivência em sociedade (artigo 220, § 1º, in fine), dentre eles a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização por danos morais e materiais decorrentes de sua violação.

A Carta Magna previu diversos direitos e garantias que, por vezes, acarretaram aparentes choques ou colisões que, na forma como asseverado, merece ser solucionado segundo a preponderância do maior interesse público (res pública) no caso em concreto, daí emergindo o verdadeiro conceito republicano a dar concretude efetiva e valoração ao texto constitucional.

No caso dos autos, bom pontuar, a questão já ganhou contornos litigiosos na órbita civil, tendo o querelado sofrido condenação por danos morais (fls. 195/202). A queixa-crime aponta que, no dia 01º de novembro de 2011, o querelado postou em seu blog matéria intitulada Tropa de elite do Prefeito brinca com concurso que enganou centenas de pessoas. No referido artigo discorre a respeito da lisura ou sua ausência nos concursos públicos realizados pela Prefeitura Municipal de Tupã.

Em certa parte do texto fez consignar: Telma Tulim omitiu duas vezes. Fez como Judas, negou pela terceira vez quando Antonio Alves de Sousa, “Ribeirão” (PP) confessou ter ouvido os reclamos da colega na defesa do filho que supostamente iria ser prejudicado pela trama do gabinete. (…) Mas Tulim é perspicaz e consegue transitar entre o legal e o imoral. O legal e o ilegal com tranqüilidade de quem conhece o terreno movediço entre o Executivo e o Legislativo.

Assim como Judas, negou; também lavou as mãos, como Pilatos. É ficar entre a cruz e espada. Ainda em comentário postado na citada matéria, o querelado afirma: quando fiz referência sobre transitar no imoral e ilegal, entre o Executivo e Legislativo, me referia aos fatos que envolvem questões administrativas de improbidade, omissão, prevaricação, corrupção, entre outros, e não aos eventuais atos de cunho pessoal da cidadã e parlamentar Telma Tulim.

É bem verdade que, segundo as Escrituras Sagradas, Pedro, discípulo de Jesus, foi quem negou a Cristo por três vezes. Está escrito: Então Jesus lhes disse: Todos vós está noite vos escandalizareis em mim; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho se dispersarão. Mas Pedro, respondendo, disse-lhe: Ainda que todos se escandalizem em ti, eu nunca me escandalizarei. Disse-lhe Jesus; Em verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, três vezes me negarás (Livro de Mateus, Cap. 26, versículos 31, 33 e 34). Mas Judas, que também era apóstolo, traindo a todos, entregou Jesus para ser crucificado. Está escrito: E estando ele ainda a falar, eis que chegou Judas, um dos doze, e com ele grande multidão com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo. E o que o traía tinha-lhes dado um sinal, dizendo: O que eu beijar é esse; prendei-o. E logo, aproximando-se de Jesus, disse: Eu te saúdo Rabi. E beijou-o. (Mateus, Cap. 26, versículos 47, 48 e 49). Desde então, o nome de Judas é umbilicalmente ligado àquele que é traidor, infiel, ganhando adjetivação pejorativa. A meu ver, assim agindo, o querelado ofendeu a honra objetiva da querelante, difamando-a de forma consciente e voluntária.

Embora a matéria principal tenha sido postada em 01.11.2011 e o comentário em 04.11.2011, parece-me que os fatos devem ser encarados em contexto único, dado o entrelace temático que os une, numa sucessividade episódica de assertivas que apenas de forma unitário traduz lucidez e inteligibilidade ao texto. Na lição de Guilherme de Souza Nucci, difamar significa desacreditar publicamente uma pessoa, maculando-lhe a reputação. (…) Difamar já significa imputar algo desairoso a outrem, embora a descrição abstrata feita pelo legislador tenha deixado claro que, no contexto do crime do art. 139, não se trata de qualquer fato inconveniente ou negativo, mas sim de fato ofensivo à sua reputação. (…) Assim, difamar uma pessoa implica em divulgar fatos infamantes à sua honra objetiva, sejam eles verdadeiros ou falsos (Código Penal Comentado, RT, 11ª edição, p. 709).

A figura do crime de calúnia fica afastada, porque não houve descrição precisa e determinada de fato definido como crime. Ainda se valendo da lição do conceituado penalista e magistrado paulista, não basta, para a configuração do crime de calúnia, imputar a alguém a prática de um ‘homicídio’ ou de um ‘roubo’, por exemplo, sendo necessário que o agente narre um fato, ou seja, uma situação específica, contendo autor, situação e objeto (op. cit. p. 706). Igualmente, o delito de injúria, no contexto em que expostas as expressões desairosas, resta absorvido pelo delito de difamação.

Evidentemente, atribuir à figura pública o adjetivo de traidora, omissa, de mulher pública que transita entre o legal e o ilegal, associando a querelante à ideia de que teria se furtado à fiscalização de certame público, sendo omissa, prevaricadora e corrupta, ofende nitidamente a honra ou prestígio de que goza na conceito da sociedade.

E o fato da querelante ser pessoa pública, sujeita a maior fiscalização e abrandamento de sua órbita de intimidade e privacidade, dado o interesso público que cerca suas atitudes e atividades, não exclui, por evidência, a proteção constituicional-penal em torno de sua honra e respeitabilidade.

Nesse sentido, a Ministra Cármen Lúcia, quando do julgamento da AP474, julgada em 12/09/2012 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, destacou que: É certo que as pessoas que ocupam cargos públicos, notadamente aquelas que exercem atividades políticas, estão sujeitas a uma maior fiscalização pela população e pelos meios de comunicação. Consequentemente, o âmbito do que caracteriza a sua intimidade, a sua honra e a sua vida privada tem espaço reduzido, devendo a norma constitucional ser aplicada com maior tolerância quando atingidas. Contudo, tanto não significa que qualquer ofensa seja permitida.

As desproporcionais e desarrazoadas, como se comprovou na espécie vertente, submetem-se ao direito penal. A escusa apresentada pelo querelado, de que apenas agiu no dever de informar e que em momento algum quis macular a honra da querelante, data vênia, não se mostra verdadeira. Ao contrário do afirmado em interrogatório, não existe nos autos qualquer prova ou indício, mínimo que fosse, de que soubesse a querelante da possível trama para beneficiar o secretário do governo Adriano Rigoldi em concurso público e, sobretudo, de que ela detivesse provas ou indícios da suposta fraude e, na condição de fiscal do Executivo tenha deixado de tomar as devidas providências.

Ademais, na forma como asseverado pelo próprio querelado em interrogatório, tinha ele ciência de que, contra a querelante, não existia qualquer ação ou investigação judicial em torno dos fatos. Sintomático do animus que impelia a ação do querelado a circunstância de que, apesar dos debates em torno da suposta fraude no concurso terem sido travados em diversas sessões camarárias (fls. 49/92), em momento algum se acoimou os demais edis de conluiou com o Governo. O dever de fiscalização também não competia aos demais vereadores de Tupã? Por que, então, a omissão? O querelado afirma que a querelante é pessoa instruída e capacitada, Delegada de Polícia e, por isso, saberia distinguir o legal do ilegal. Isso, no entanto, não isentava o dever de todos os vereadores de sua missão constitucional, na fiscalização da coisa pública. E mais: no corpo da Câmara havia médicos, empresários, professores, políticos experientes, de grande envergadura, todos igualmente capacitados e legitimados a agir em favor da sociedade, na defesa da moralidade e legalidade. Por tudo isso, a ideia de que o querelado tenha agido apenas com animus narrandi fica afastada. E novo delito de difamação se deu em 18 de novembro de 2011, quando o querelado fez inserir em seu blog nova matéria ofendendo a honra objetiva da querelante ao mencionar: A parlamentar comete um grande equívoco, em ter se demonstrado ‘indignada’. Indignada com o eventual prejuízo do filho, mas nunca dos cidadãos(as) comuns que tenham sido enganados por quem tinha o dever e a obrigação de fiscalizar a honestidade do certame. Omissão e prevaricação, para quem deixa de exercer sua obrigação e dever, são crimes. É o mesmo que transitar entre o moral e imoral, o legal e o ilegal. Houve reiteração criminosa, a indicar continuidade delitiva. Novas ofensas, desgarradas de qualquer evidência de que tenha a querelante sido omissa ou prevaricado em sua função, tudo na forma como exaustivamente já exposto acima.

A causa de aumento de pena do artigo 141, III, do Código Penal se faz presente, haja vista que as ofensas foram publicadas no endereço eletrônico do querelado, na rede mundial de computadores, facilitando a propagação a um número indeterminado de pessoas. Também presente a causa de aumento de pena do artigo 141, II, do Código Penal, já que a difamação atingiu a querelada enquanto no exercício de sua função pública, fato suficientemente descrito na peça inicial acusatória. Passo à fixação das penas.

O réu é primário e portador de bons antecedentes, e a culpabilidade situa-se dentro da normalidade do tipo penal. Por conta disso, fixo a pena base para cada um dos delitos de difamação no mínimo legal de 3 (três) meses de detenção, além de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/3 do salário mínimo nacional.

Não há atenuantes ou agravantes presentes. A seguir a pena de cada um dos delitos sofre acréscimo de um terço (artigo 141, II e III, CP), a totalizar 4 (quatro) meses de detenção e 13 (treze) dias-multa. Ao final, em decorrência da continuidade delitiva, atento à regra do art. 71, do Código Penal, e ao número de infrações penais cometidas (duas), sendo as penas idênticas, elevo uma delas em um sexto, a totalizar 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de detenção. Em virtude do preceituado no artigo 72 do Código Penal, as penas pecuniárias serão somadas, alcançando-se 26 (vinte e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/3 do salário mínimo nacional, pena esta que converto em definitiva, por não encontrar nenhuma outra circunstância modificadora aplicável.

Presentes os requisitos legais do artigo 44, I, II e III, do Código Penal, de rigor a substituição da pena privativa de liberdade por multa ou por uma restritiva de direito (art. 44, § 2º, CP). Sendo favoráveis as circunstâncias judiciais, opto pela multa, mais benéfica ao réu e assim o faço para substituir a pena privativa de liberdade por multa correspondente a igual valor àquela arbitrada acima: 26 (vinte e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/3 do salário mínimo nacional, totalizando, ao final, 52 (cinqüenta e dois) dias-multa.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação penal e condeno JOSÉ APARECIDO DAS NEVES,, qualificado nos autos, à pena de 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de detenção, em regime aberto, além de 26 (vinte e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/3 do salário mínimo nacional, ficando substituída a pena privativa de liberdade por multa, correspondente a outros 26 (vinte e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/3 do salário mínimo nacional, dando o réu como incurso nos artigos 139, 141, II e III, c.c. artigo 71, caput, do Código Penal.

Por último, condeno o acusado ao pagamento das custas processuais, nos termos da Lei Estadual nº 11.608/03. Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do acusado no rol dos culpados, intimando-se para pagamento da pena de multa, sob pena de execução.

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