O brasileiro – torcedor/eleitor usa a mesma bandeira, mas com desejos diferentes. Ninguém quer perder, mas nem todos podem ganhar ao mesmo tempo.
O brasileiro está torcendo desde outubro, quando ocorreu o primeiro turno das eleições. Com a Copa do Mundo em dezembro, quatro meses de torcida, incluindo o segundo turno e a expectativa de uma prorrogação.
Em novembro e dezembro, vimos pelas ruas do Brasil um patriotismo enrolado na mesma bandeira, mas com torcidas prol e contra o mesmo time.
O time derrotado ainda se lamenta, enquanto outro comemora distribuindo memes nas redes sociais, mas a bandeira é a mesma.
Alguns a exibiam como símbolo de orgulho esportivo pelo time que buscava o hexa, outros a colocava sob o capô do veículo, enrolada no pescoço ou jogada nas costas, como sinal de protesto eleitoral.
Ainda na manhã de sexta-feira (9), momentos antes do jogo Brasil e Croácia, pelas quartas de final, presenciei o seguinte diálogo, num estabelecimento comercial: “Hoje é preciso comprar mais cedo por causa do jogo, já o comércio fecha”, dizia um interlocutor.
O outro retrucou: “O Brasil prestes a virar uma Venezuela e tem gente pensando em jogo”.
“Caracas” – o Brasil não é uma Venezuela e nunca o será. Ainda que o país vizinho tenha também o azul e o amarelo na bandeira.
Até insistiram nessa tese, nesses últimos quatro anos. Em lugar nenhum, um presidente eleito pelo voto popular inflama o povo pelo golpe. Foi exatamente isso que aconteceu no governo de Jair Bolsonaro (PL).
É como se ele fosse um governo paralelo, querendo chegar ao poder, através do golpe. Na Venezuela (ditadura militar) começou assim – com o povo pedindo Hugo Cháves sob o conceito de “Revolução Bolivariana” ao aprovar nova Constituição em 1999. Cháves morreu e Nicolás Maduro assumiu o poder numa eleição controversa.
BAIXA PATENTE
Segundo o Instituto Liberal, a instabilidade econômica gerou instabilidade política e, em 1992, um grupo de militares de baixa patente liderados por Hugo Chávez se rebelou contra o presidente Carlos Andrés Pérez.
O golpe fracassou, mas a figura do militar passou a ser admirada por muitos venezuelanos, a ponto de o ex-presidente Rafael Caldera lhe prestar solidariedade pública a fim de capitalizar-se politicamente — em vez de denunciar os líderes de um movimento extremista e golpista.
Eleito presidente pela segunda vez, cumpriu a promessa de campanha de anistiar Chávez, que seria julgado por traição. Acreditava-se que a popularidade do militar seria uma moda passageira. Não era.
Assim, caminhou o Brasil, nesses últimos anos. Um militar de baixa patente ganhou as eleições em 2018 e acendeu o pavio da lamparina com a teoria da conspiração que o fez chegar ao poder. Por alguns momentos o país “venezuelou” com uma admiração exagerada pela figura do militar.
É como se os eleitores de Bolsonaro também não estivessem satisfeitos só com ele na presidência. Queriam uma intervenção militar com Bolsonaro. Agora virou intervenção federal.
O que aconteceu na Venezuela e o que desejavam os bolsonaristas tem como explicação de que uma ditadura, nem sempre é tomada a força por militares, afirma o Instituto Liberal.
– Durante a Guerra Fria, a maior parte dos colapsos institucionais se dava por golpes de Estado. Entre os exemplos latino-americanos, constam o Brasil, a Argentina, a Guatemala, o Peru, a República Dominicana e o Uruguai.
Entretanto, o processo de corrupção das instituições — responsável por criar instabilidades institucionais e recessos democráticos — é passível de ocorrer por intermédio de líderes eleitos democraticamente e que subvertem o próprio processo que os conduziu ao poder.
O jurista americano Aziz Huq e o professor de Direito Internacional Tom Ginsburg denominam esse processo de “regressão constitucional”. Pode-se dizer que este é o caso venezuelano.
Pode se dizer que esse seria o caso brasileiro também, se de fato fosse efetivado o desejo dos torcedores do bolsonarismo.
Em agosto de 2021, a BBC trouxe uma reportagem onde dizia que Bolsonaro adotava medidas do manual de Cháves e revelava semelhanças e diferenças num comparativo entre Brasil e Venezuela.
Essa reportagem voltou a circular em outubro de 2022, quando o empresário João Amoêdo (Novo), candidato à presidência em 2018, comparou a atitude do presidente Jair Bolsonaro de aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, como aconteceu na Venezuela.
– Tanto Bolsonaro quanto Chávez fizeram carreira militar e tiveram problemas disciplinares que os levaram a deixar as Forças Armadas, afirma a BBC.
Talvez fosse fácil para Bolsonaro aplicar um auto golpe, se o Brasil fosse uma Venezuela. Mas, as instituições democráticas brasileiras estiveram vigilantes neste período, tanto quanto as do Peru.
GOLPISTAS NA PRISÃO
Fracasso de golpe no Peru é recado contra golpismo bolsonarista no Brasil, manchetou o colunista do UOL, Tales Faria em reportagem nesta quinta-feira (8).
O fracasso do presidente do Peru, Pedro Castillo, em sua tentativa de golpe de Estado nesta quarta-feira, 7, ecoou no Congresso brasileiro como um recado contra as articulações golpistas dos bolsonaristas no Brasil.
A avaliação não é só de políticos petistas ou aliados de primeira hora do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Também viram assim integrantes dos partidos de centro e até aqueles do chamado centrão, que serviu de base de sustentação ao presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso.
A reportagem traz depoimentos de vários políticos analisando e comparando a tentativa de golpe de Estado no Peru, com os arroubos semelhantes praticados pelo presidente Bolsonaro, ao maior estilo populista chavista.
Talvez por conta da similaridade dos fatos, é que tem aumentado a angústia de Bolsonaro com 2023. Pela primeira vez, em 34 anos, o político deixará de ter foro privilegiado.
A propósito, nesta segunda-feira (12), Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho serão diplomados. A cerimônia de diplomação está marcada para acontecer às 14h. Cabe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diplomar os eleitos para ocupar os cargos de presidente e vice-presidente da República.
Ironia do destino: para a torcida contra o ex-presidiário retorna à presidência do Brasil. O outro público assiste o temor do próprio presidente de ir parar na prisão em 2023.
“Quero dizer aos canalhas,” o presidente Jair Bolsonaro falou a apoiadores no ano passado, “que eu nunca serei preso!”
“Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso,” ele declarou a uma plateia de empresários em maio. Como ele passa “mais da metade” do seu tempo lidando com processos, certamente se sente bem preparado para essa possibilidade. Mas há desespero em sua fala. O destino da ex-presidente boliviana Jeanine Añez, que foi recentemente condenada à prisão sob a alegação de orquestrar um golpe, paira pesadamente no ar, opinou a escritora brasileira com foco na política, cultura e vida cotidiana do Brasil, em publicação de agosto no The New York Times.
Para Bolsonaro, o caso serve de alerta.
É do jogo, é da vida – derrotas e vitórias.
Obs: Aziz Huq – jurista americano e professor de Direito Frank e Bernice J. Greenberg na Escola de Direito da Universidade de Chicago
Tom Ginsburg – professor de Direito Internacional e Professor de Ciência Política na Universidade de Chicago e membro da Academia Americana de Artes e Ciências.
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