Por iG São Paulo | 12/09/2016 19:38 – Atualizada às 12/09/2016 23:55
Plenário aprovou, por 450 votos a 10, a cassação do mandato de Cunha por quebra de decoro; peemedebista fala que derrota é “troféu para o PT” e diz que está “pagando o preço por ter livrado o Brasil” de Dilma Rousseff
Após uma novela que se arrastou por mais de 11 meses, a Câmara dos Deputados determinou na noite desta segunda-feira (12) a cassação definitiva do mandato do ex-presidente da Casa Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A pena imposta ao responsável pela abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff foi aprovada por 450 votos a 10 – eram necessários pelo menos 257 votos para aprovar a cassação. Houve ainda nove abstenções na votação, realizada de forma nominal e aberta, pelo painel eletrônico.
Eduardo Cosentino da Cunha, que renunciou à presidência da Câmara em julho, era acusado de quebra de decoro parlamentar por ter mentido durante depoimento à extinta CPI da Petrobras, no ano passado, quando negou possuir contas no exterior. Em outubro de 2015, no entanto, uma investigação iniciada pelo Ministério Público da Suíça revelou que o peemedebista era beneficiário de trustes – modalidade de investimento gerenciada por terceiros – no país europeu.
Eduardo Cunha fez sua defesa pessoalmente na tribuna do plenário, onde alegou que estava enfrentando um “processo de natureza política” e “pagando o preço” por ter aceitado a abertura do processo de impeachment contra Dilma.
“Estou pagando o preço de ter o meu mandato cassado para o Brasil ficar livre do PT. Estão me cobrando o preço de ter conduzido um processo de impeachment que não teria outro com condição de conduzir naquele momento”, disse o peemedebista, que foi interrompido por diversas vezes pelos seus opositores.
“Esse criminoso governo que vocês fazem parte foi embora. E graças ao processo iniciado por mim. É esse processo de impeachment que está gerando tudo isso [pedido de cassação]. O que quer o PT? O PT quer obter um troféu pra dizer que é golpe”, teorizou o agora ex-deputado.
“Alguém tem dúvidas de que se não fosse a minha atuação nesta Casa haveria impeachment? Que, se eu não tivesse autorizado a abertura do processo, teria impeachment? Que, se eu não tivesse conduzido a votação, teria imeachment? Alguém tem alguma dúvida em relação a isso nesta Casa? Eu duvido.”
Cunha negou por diversas vezes que tivesse mentido sobre as contas no exterior e também criticou a condução do processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara. “Me acusaram de manobrar no Conselho de Ética. O presidente do conselho abria a porta da geladeira para acender a luz e aparecer. Ele errava propositalmente”, disse Cunha, caçoando do deputado José Carlos Araújo (PR-BA), que conduziu o processo contra ele no Conselho de Ética.
Ao fim de sua fala, marcada pela súbita alternância entre momentos de ira e de comoção, Eduardo Cunha fez um apelo aos seus até então colegas no Legislativo.
“Eu posso estar pela última vez ocupando esta tribuna. Eu peço a vocês que me julguem com isenção. Não me julguem por aquilo que está colocado pela opinião pública. Eu não desejo isso nem aos meus adversários aqui. Me julguem por aquilo que estou sendo acusado. Me derrotem nas urnas. Me derrotem nos debates. Eu não preciso aniquilar meus adversários para superá-los”, disse Cunha, que acabou sendo mais aplaudido que vaiado pelo plenário.
“Laranja sofisticado”
O autor do parecer contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), foi o primeiro a falar na sessão desta noite. O democrata voltou a defender que o peemedebista mentiu sobre a titularidade de contas no exterior.
“Cunha usou uma empresa de papel, um laranja sofisticado chamado de truste. Eduardo Cunha era o instituidor, administrador e beneficiário dos trustes. Era contratante e contratado. Ele tinha o controle total sobre a abertura e o fechamento das contas”, argumentou Rogério.
“A perda do mandato se faz necessária e proporcional. Ela demonstra o compromisso desta Casa com a ética”, defendeu o parlamentar, que foi muito aplaudido ao fim de seu discurso.
“Linchamento”
Após o pronunciamento de Marcos Rogério, foi a vez do advogado de Cunha, Marcelo Nobre, usar o tempo de 25 minutos para defender o peemedebista perante os deputados.
Em tom de ameça, o advogado afirmou e reafirmou na tribuna da Câmara que a condenação de Eduardo Cunha “abriria precedente” para que outros parlamentares fossem punidos sem que houvesse provas.
“Não há prova nenhuma da imputação que existe contra o meu cliente. Cadê o número da conta? Cadê o banco? Vão condenar sem provas?”, indagou Marcelo Nobre. “Isso abrirá um precedente de linchamento nesta Casa. Está posta a guilhotina em cima desta mesa”, profetizou o advogado.
Quórum alto
Marcada para ter início às 19h, a sessão de votação do pedido de cassação do mandato de Cunha foi suspensa logo de início pelo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), devido ao baixo quórum registrado no plenário: apenas 173 parlamentares (dos 513 com mandato na Casa) haviam registrado presença até então.
A sessão foi retomada às 20h20, com 357 deputados no plenário da Câmara. Maia havia prometido iniciar o julgamento somente quando pelo menos 400 deputados estivessem presentes, número que só foi atingido às 21h.
Manobras frustradas
O alto quórum exigido por Rodrigo Maia – que era favorável à cassação do mandato de Cunha – visava dificultar manobras durante a votação.
Um dos primeiros passos do julgamento foi a apresentação das chamadas questões de ordem, quando parlamentares questionaram as regras sobre o passo a passo do julgamento.
O deputado Carlos Marun (PMDB-MS), um dos mais fiéis integrantes da ‘tropa de choque’ de Cunha, propôs que fosse levada à votação um projeto de resolução, e não o parecer elaborado no Conselho de Ética da Casa.
Como o parecer desenvolvido pelo relator Marcos Rogério previa a pena da cassação do mandato de Cunha, na prática, a votação de um projeto de resolução significaria possibilitar um ‘abrandamento’ da pena do peemedebista.
Rodrigo Maia, no entanto, rejeitou o pedido de Marun. O peemedebista então contestou a decisão do presidente da Casa, pedindo parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e o efeito suspensivo da sessão até que a CCJ se pronuncie.
A proposta, no entanto, precisava do apoio de um terço dos deputados presentes para ser aprovada – o que não ocorreu. Desse modo, acabou justificada a exigência de um quórum tão alto por parte de Rodrigo Maia, uma vez que o grande número de parlamentares presentes dificultou para os aliados de Cunha conseguirem manobrar a votação.
Discussão
Embora ao menos 40 deputados estivessem inscritos para falar, por cinco minutos cada um, apenas cinco parlamentares o fizeram. Após esses primeiros discursos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), levou à votação o encerramento da discussão, requerimento que acabou aprovado pela maioria dos líderes das bancadas.
Puderam falar somente as deputadas Moema Gramacho (PT-BA), Alice Portugal (PCdoB-BA) e Clarissa Garotinho (PR-RJ), a favor da cassação do mandato de Cunha; e os deputados Carlos Marun e Delegado Edson Moreira (PR-MG), que defenderam a manutenção do mandato do deputado afastado.
Ecos do impeachment
Aliados de Eduardo Cunha esperavam conseguir a realização de duas votações: uma sobre a cassação do mandato e outra sobre a suspensão dos direitos políticos do peemedebista, assim como ocorreu durante o julgamento do impeachment de Dilma Rousseff no Senado.
O corpo técnico da Câmara rejeita essa proposta, considerando que a inelegibilidade pelo período remanescente do mandato e por mais oito anos é algo que está previsto na Lei da Ficha Limpa.
Fonte: iG São Paulo