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Educação num país em Transe

Rudá Ricci
Sociólogo, 49, doutor em ciências sociais, diretor do Instituto Cultiva (www.cultiva.org.br). E-mail: ruda@inet.com.br

Temos mais de 1 milhão de jovens retidos no ensino fundamental. Não chegam ao ensino médio. A idade média no 8º ano do ensino fundamental é de 14,3 anos, sendo que este nível termina aos 14 anos de idade. No 9º ano, a idade média é de 15,2 anos.

A educação brasileira é um funil perverso. Dos mais de 4,3 milhões de alunos ingressos na 1ª série do ensino fundamental, somente metade conclui este nível.

No ensino médio, apenas 11% dos alunos concluem este nível com conhecimento esperado efetivamente adquirido. O funil continua e pouco mais de 300 mil ingressam no ensino superior. Os que concluem são 4,5% dos que ingressaram, lá atrás, no ensino fundamental.

Desde a formação dos grupos escolares, em 1893, o Brasil privilegiou a quantidade, não a qualidade. Nos últimos anos, oscilamos até nas metas: do fim do analfabetismo e ampliação da duração do ensino médio para quatro anos (gestão Cristovam Buarque), ao sistema de cotas e limitação da abertura de cursos de medicina e direito (gestão Tarso Genro), passando pela ampliação da avaliação sistêmica (IDEB e outros), ensino profissionalizante e nacionalização do conteúdo curricular (via ENADE, ENEM e outros, na gestão Fernando Haddad).

A qualidade raramente é um objetivo das políticas educacionais porque a educação brasileira se tornou dado de disputa eleitoral e objeto de desejo de grandes grupos econômicos. Em 2011 o setor presenciou vinte operações comerciais capitaneadas por quatro empresas de capital aberto que totalizaram 2,4 bilhões de reais, um recorde para o país.

O foco é a demanda por cursos técnicos, sem grandes projetos de formação efetivamente qualificada. Lembremos que entre 2005 e 2010, a fatia das matrículas em cursos técnicos sobre o total verificado no ensino médio regular passou de 8,2% para 13,6%. Mas a ânsia comercial atinge também várias redes públicas de ensino.

Hoje, temos 150 redes municipais paulistas que contratam sistemas apostilados privados (Objetivo, COC e Positivo, em especial). São 23% do total das 645 cidades paulistas. Em todo Brasil, 300 municípios tomaram tal decisão. São apostilas genéricas que massificam o conhecimento.

Ocorre que estudos recentes indicam que redes pequenas, escolas pequenas e relacionamento escola-família é que geram resultados mais positivos no desempenho escolar. Não a educação massificada.

Análise dos dados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2007 realizada pela ONG Todos pela Educação, intitulado “Equidade entre as escolas das redes municipais”, revelou que quanto menor a rede, melhor o desempenho de alunos. Grandes redes de ensino não conseguem criar estratégias de atendimento equânime entre escolas. Grandes escolas não conseguem atender de maneira personalizada seus alunos e professores.

Recentemente, dados do SARESP indicaram que o desempenho dos alunos estava relacionado com o tempo do diretor nesta função. Quando o diretor passa a ser conhecido pela comunidade escolar, se torna um líder que articula sala de aula com família e comunidade. Este conjunto de dados revela que educação é relação social.

As práticas pedagógicas ao longo dos últimos dez anos focaram resultados e não no processo de aprendizagem e contribuíram para a infrequência escolar. Estudo de Elaine Pazello (INEP/MEC) apontou uma realidade perigosa onde estudantes vão à escola, mas não se dedicam ao aprendizado.

Para piorar o quadro, as avaliações sistêmicas desconsideram as peculiaridades do processo de aprendizagem de cada aluno e não conseguem informar corretamente os motivos que geram um resultado. Equipe pedagógica e direção das escolas não sabem o que fazer e recaem no lugar comum dos programas de reforço escolar.

Mas o reforço, muitas vezes, utiliza metodologias que já foram empregadas anteriormente e que fracassaram. Sem dados qualitativos, diagnósticos mais profundos das reais causas de dificuldades de aprendizagem e, principalmente, dos hábitos familiares que o aluno adquiriu e dialoga cotidianamente, gastamos recursos sem qualquer sentido lógico.

O fato é que desconsideramos o papel das famílias, não avaliamos mais se determinados currículos ou apostilas adotadas são adequados. Não analisamos as condições reais de trabalho nas escolas.

A novidade com ascensão da Classe C

Outro estudo da ONG Todos pela Educação indicou que 32% dos alunos apresentam dificuldades de apreender o que os professores ensinam e que 22% não têm interesse em estudar.

A pesquisa, apresentada na Conferência Nacional da Educação de 2010, revelou que 16% dos pais não conhecem as matérias que os seus filhos estudam, impedindo-os de ajudar quando eles têm dúvidas. Esta é a realidade concreta que as políticas educacionais oficiais ignoram: o perfil do aluno das classes emergentes que ingressam nas redes de ensino.

Pierre Bourdieu já havia constatado um processo de seleção social nas escolas via currículo que extirpava os hábitos culturais das classes menos abastadas, gerando estranhamento dos alunos em relação à linguagem, personagens e formas de socialização de conhecimentos.

Com efeito, cruzamento de dados da Prova Brasil 2009 efetuada pela Fundação Lemann, indicou que os alunos de famílias mais pobres e alunos negros são os que apresentam pior desempenho (5º e 9º anos do ensino fundamental) em escolas públicas.

Só dois em cada 10 negros no 5º ano sabem aprendem o que é esperado pelos professores. Em matemática, na mesma série, enquanto 80% dos alunos mais pobres não atingiram o nível mínimo esperado, o índice cai para 55% entre os alunos mais ricos (todos da escola pública).

Qual o motivo? Estudos realizados desde a segunda década do Século XX indicam que o hábito familiar se relaciona diretamente com o desempenho escolar. Pais que leem habitualmente constroem a noção de leitura como algo natural. Em todas áreas do conhecimento e da ação humana esta relação se repete.

Ora, se somos um país majoritariamente conformado por membros da Classe C o primeiro passo é adaptarmos os cursos de formação de professores à realidade cultural e familiar desta classe emergente. Temos que saber dialogar com seus hábitos, crenças e intenções.

A classe média emergente se viu incluída socialmente pelo consumo e esta é sua motivação para o estudo: a garantia de ascensão ou manutenção do seu poder aquisitivo.

A escola não acompanhou tal revolução comportamental. E a culpa não é dos professores ou diretores escolares. Muito menos da escola pública. A culpa é dos gestores da política educacional que continuam desconhecendo a realidade da sala de aula.

Fonte: Valor Econômico

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