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O eleitor sempre questionou a obrigatoriedade do voto

O eleitor que deixar de votar fica impedido de assumir cargos públicos ou tirar passaporte, entre outras sanções.

O dilema do voto obrigatório

Para o ex-senador Pedro Simon, a punição pela abstenção no Brasil é tão irrisória que, na prática, o voto acaba não sendo obrigatório

Direito ou dever? A natureza do voto no Brasil é alvo desse questionamento, mais especificamente de qual seria seu reflexo nas eleições e na participação política da população. Embora esteja inserido no universo dos direitos políticos, o voto é obrigatório no Brasil e tem sido desde a Constituição de 1946.

O voto também é obrigatório em outros 21 países — 12 deles, latino-americanos. Mas, para o cientista político Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o que existe no país é uma “ficção” de voto obrigatório. Para ele, a manutenção da obrigatoriedade serve para simular um respeito ao instrumento do voto, enquanto ele é desrespeitado em outras frentes — inclusive pela Justiça Eleitoral.

“Um candidato acusado de comprar dez votos é cassado e no seu lugar entra o segundo colocado. A decisão popular é usurpada e a cidadania é ignorada. Nesse caso, o mínimo a se fazer é uma nova eleição”, ele exemplifica.

Romano acredita, ainda, que manter o voto como uma obrigação serve para diminuir o poder do instrumento, uma vez que, segundo o professor, deveres são menos amplos do que direitos. “A possibilidade de garantir direitos não passa necessariamente pela norma do Estado. Existem noções de direito que se mantêm apesar das normas”, explica.

“Dizer que o voto é obrigatório é piada”, dispara o ex-senador Pedro Simon, defensor do modelo atual. O eleitor que deixar de votar fica impedido de assumir cargos públicos ou tirar passaporte, entre outras sanções, mas tem boas chances de evitar a punição: o prazo para justificar a abstenção eleitoral é de 60 dias. Caso ultrapasse esse período, basta que o eleitor pague uma multa de R$ 3,50 para que sua situação seja regularizada.

Um entusiasta do dever de votar, Simon deixou o Senado após quatro mandatos. Ele entende que o voto obrigatório, ao longo do renascimento democrático do Brasil, ajudou o povo a adquirir consciência cívica e aprender a cobrar seus governantes. Em razão disso, ele defende esse instituto como forma de proteger a “consistência” do voto.

“O brasileiro está querendo participar mais da realidade do seu país. A mágoa que eles têm de nós, políticos, as críticas que eles fazem à classe política, são fruto dessa preocupação que eles têm hoje e que não tinham no passado”, discorre o ex-senador. Ele crê que o hábito frequente e periódico do voto nas últimas décadas tem feito com que o povo esteja “querendo votar melhor”.

Há quem discorde dessa premissa. Tramita no Senado a PEC 55/2012, de Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que instituiria o voto facultativo para todos os eleitores brasileiros. Atualmente, entre os cidadãos que se qualificam para votar, apenas os jovens entre 16 e 18 anos, os idosos acima de 70 e os analfabetos podem optar por se abster do pleito sem implicações legais.

Posição a respeitar

Ferraço acredita que a atitude de não tomar posição política é, em si, uma posição política e deve ser respeitada. “Não se pode obrigar alguém que não se interesse minimamente pela coisa pública a escolher entre candidatos sobre os quais nada sabe e que, se eleitos, cumprirão funções que ignora quais sejam”, argumenta.

A opinião é compartilhada pelo senador Reguffe (PDT-DF). Deputado federal até a última legislatura, ele apresentou uma proposta de fim do voto obrigatório à Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados, instituída em 2011.

“O voto facultativo vai melhorar a qualidade da representação política. Muitas pessoas votam sem fazer a reflexão devida que esse gesto precisa e merece. Acaba que vota em qualquer um. Qualquer um, às vezes, é o único que ela conhece”, observa. Reguffe também destaca que os votos dados com esse “critério” acabam por beneficiar os candidatos com as maiores máquinas de propaganda.

Roberto Romano também sustenta que o sistema de voto obrigatório é prejudicial ao processo democrático. “A pessoa vota não porque sua consciência e seu coração exigem. Vota porque tem medo”, resume. Ele também cita as taxas de abstenção e de votos brancos e nulos como demonstração de que os eleitores acabam, paradoxalmente, fugindo das urnas quando são coagidos a votar.

Abaixo da média

Para Ferraço, favorável ao voto facultativo, não tomar posição política é, em si, uma posição política

Nas últimas eleições, a soma de abstenções e votos brancos e nulos no primeiro turno foi a maior registrada no país desde 1998, abrangendo 27,2% do eleitorado. Apenas uma vez a taxa ficou abaixo dos 20%: em 1989, nas primeiras eleições presidenciais diretas em 29 anos.

Em 2014, só a abstenção no primeiro turno foi de 19,4%, a segunda maior desde a redemocratização. Se consideradas eleições presidenciais recentes dos países que têm voto obrigatório, o absenteísmo brasileiro está abaixo da média dos últimos anos, que é de 25,5%.

Em países que adotam o voto facultativo, as taxas de abstenção costumam ser maiores, como seria esperado. Vale a pena destacar o caso do Chile, que adotou pela primeira vez o voto facultativo em 2013. Antes disso, a abstenção girava em torno de 15%. No pleito de 2013, a estatística saltou para mais de 58%.

Fonte: Revista Em Discussão

Leia também: “Bolsovoto”: Essa eleição não serve de parâmetro para 2020

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